A Ilustração de Livro para Crianças no Brasil: Prelúdio de uma História em Construção

por Graça Lima e Alexandre Guedes

Quando pensamos em algo, geralmente temos uma visão daquilo que reflete nossa percepção de mundo ou de situações completamente fora da nossa esfera de compreensão pragmática. A grandeza que habita nosso senso de transformação nos deixa sempre muito próximos do intangível, pois possuímos uma qualidade inerente a todo e qualquer ser humano que é a capacidade de imaginar. Em caráter específico, essa potência gera a união de duas formas distintas de expressão: a palavra e a imagem. Tal relação se manifesta através de uma aproximação milenar entre a literatura e a arte; na confluência destas duas, surge a ilustração de livro. Ilustrar é dar luz a uma ideia através de uma abordagem visual. A etimologia da palavra marca perfeitamente seu sentido: a sua forma originária illustrare, em latim, significa fazer brilhar ou iluminar.

As narrativas visuais possuem raízes profundas e remotas. Desde o paleolítico superior o homem comunica ideias através de imagens. Os desenhos rupestres, espalhados em diferentes espaços e produzidos em épocas distintas, por exemplo, registram um modo de comunicação e organização do homem com o mundo. Se fizermos um passeio pelo tempo desde a arte parietal e das cerâmicas chinesas encontradas na Caverna Xianrendong, há mais de 20.000 anos, passando pelo Egito com o Livro dos Mortos, Mesopotâmia, Roma, Grécia, registrando o surgimento do papel na China durante o período da Dinastia Han, contemplando os rolos ilustrados na Índia, e a grande variedade de registros das tradições da cultura árabe, explorando a diversidade de expressões do continente africano, ou das civilizações pré-colombianas – de norte a sul, do oriente ao ocidente – veremos que a arte de ilustrar, narrar com imagens está sempre presente.

A ilustração impressa em livros possui uma cronologia que está relacionada à Antiguidade e, fundamentalmente, ao surgimento do papel e da gravura na China. Na Europa, durante a Era Vitoriana (1837-1901), a produção editorial se consolida e a indústria do livro infantil ganha força, distinguindo-se pela intrínseca relação que se estabelece entre texto e imagem. Assim, a ilustração de livro começa, aos poucos, a ser percebida enquanto uma forma de expressão artística. Entre os anos de 1840 e 1930, nomes como J. J. Grandville (1803-1847), John Tenniel (1820-1914), Richard Doyle (1824-1883), Gustave Doré (1832-1883), Walter Crane (1845-1915), Kate Greenaway (1846-1901), Arthur Rackham (1867-1939), Aubrey Beardsley (1872-1898), dentre outros expoentes contribuem para a expansão e consolidação desse gênero lítero-visual que no século XX torna-se parte integrante da vida cotidiana de crianças e jovens. Autores como Brigid Peppin (1941-) e Simon Houfe (1942-) costumam designar o período que vai de meados do século XIX até o primeiro pós-guerra como “a era de ouro da ilustração” (the golden age of illustration).

No Brasil essa jornada não possui um caráter linear, pois até a chegada da família real portuguesa ao país, era vedado qualquer tipo de produção editorial. Com a criação da Imprensa Régia em 1808, inicia-se um novo período, o que possibilita o aparecimento de uma indústria que só irá ganhar fôlego a partir da segunda metade do século XIX na cidade do Rio de Janeiro, pelas mãos de desenhistas como o alemão Henrique Fleiuss (1824-1882), o ítalo-brasileiro Angelo Agostini (1843-1910) e imigrantes de origem portuguesa.

A influência da ilustração portuguesa na produção editorial brasileira foi marcada por nomes como Bordalo Pinheiro (1846-1905) e Julião Machado (1863-1930). Este último, em sua passagem pelo Brasil, além de contribuir com seu traço para diversos periódicos, ilustrou “Lendas Brasileiras”, uma coleção de 27 contos para crianças, da escritora carioca Carmen Dolores (1852-1911). Na publicação, Machado dá vida a personagens do nosso folclore como o saci-pererê e a mula sem cabeça. O livro de Dolores provavelmente é uma das primeiras obras ilustradas no país para o público infantil que trabalha com o imaginário local, ou seja, desvinculado de um padrão literário eurocêntrico. Todavia, esse tipo de abordagem só ganhará fôlego, tratando-se especificamente de que é dirigido às crianças, no começo da década de 1920.

O trabalho de ilustradores estrangeiros faz parte do intrincado mosaico que constitui a história da ilustração de livro para crianças no Brasil. Isto porque nosso mercado editorial – no que se refere ao segmento infantil, entre a segunda metade do século XIX e as primeiras duas décadas do XX – esteve voltado basicamente para uma produção de caráter didático e a reprodução de material importado. Um bom exemplo disso está relacionado a publicações de editoras como Garnier e Laemmert sediadas no Rio de Janeiro, no período em relevo. Dentre as obras em questão, destacamos dois livros da Garnier que fazem parte do acervo da Biblioteca Nacional e refletem o contexto mencionado: o primeiro é “Scenas da Vida Privada dos Animais”, com ilustrações do francês Benjamin Rabier (1864-1939), e o segundo, “As Peripécias da Aviação”, ilustrado pelo espanhol Joaquín Xaudaró (1872-1933). Nos dois casos, apesar do pioneirismo relativo ao campo em questão, tratam-se de obras cuja matriz é invariavelmente europeia. A procura de uma identidade irá gerar um movimento de nacionalização do livro infantil, iniciado por alguns livreiros-editores. Segundo a pesquisadora Andréa Borges de Leão, Pedro da Silva Quaresma e Francisco Alves de Oliveira foram os pioneiros desse novo mercado. Criando um novo estilo de edição com uma escrita adaptada às nossas crianças, Quaresma tencionava abrasileirar os livros infantis, oferecendo uma coleção de contos de fadas, brincadeiras e teatrinhos escritos na linguagem corrente do país. Para tanto, contratou o conhecido escritor Figueiredo Pimentel e o ilustrador Julião Machado. Dessa união, surgiu, em abril de 1894, o livro “Contos da Carochinha”, com 61 contos adaptados da tradição oral que abriram o caminho para muitos outros: “Histórias da Avozinha” (1896), “Histórias da Baratinha” (1896), “Histórias do Arco da Velha”, “Histórias de Fada”, “Contos do Tio Alberto”, “Os Meus Brinquedos”, “Teatrinho Infantil” (1897), “O Álbum das Crianças”, e mais, todos alcançando grande sucesso de vendas. Em 1906, o semanário “O Tico-Tico” oferece como prêmios ao concurso “F” exemplares da coleção de livros – “A Casa do Saltimbanco”, “As Férias”, “Os Desastres de Sofia” e “As Meninas Exemplares” ­– produzidos pela livraria Francisco Alves, confirmando a existência de um público já formado que se empenharia em vencer para ganhar livros.

No início do século XX, ocorreu um intenso fluxo de mudanças no mundo todo, atingindo em cheio vários níveis da experiência social. Em nenhum período anterior na história das civilizações a humanidade foi envolvida num processo tão dinâmico de transformação de seus hábitos, convicções e modos de percepção. É a partir desse momento que o impacto da Revolução Científico-Tecnológica, intensificada nas últimas décadas do século XIX, é sentido em sua plenitude, alterando por completo o ritmo da vida das pessoas. A “Exposição Universal de 1900” foi um marco desse processo. O que havia de mais avançado na indústria da época foi ali reunido, consagrando, de maneira definitiva, a modernidade.

No Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, o impacto das conquistas alcançadas pelo mundo desenvolvido impulsionou as elites locais na implementação de um projeto modernizador que alteraria de maneira irreversível a sociedade carioca e, por conseguinte, a brasileira. Para que fosse executado, o projeto se baseou na identificação de um poderoso conjunto de símbolos, instituições e usos metropolitanos, caracterizados basicamente por uma série de reformas urbanas.

O discurso desenvolvimentista externa a sensação de um país em harmonia com as forças do progresso em curso, desligando-se da letargia de seu passado. O almejado projeto de sociedade moderna e universal ainda não tem força para superar o Brasil de hábitos culturais arcaicos. É nítido o contraste entre cidades que coexistem – a cidade letrada e a cidade real – na qual uma minoria dominante detém o universo simbólico, criando os padrões culturais, os mitos, os símbolos e as ideias que vão legitimar o seu poder sobre as várias esferas urbanas. Projetada pelas classes dominantes, a “cidade ideal” é bela e monumental; porém, uma ilusão passageira que entorpece os sentidos e apaga a realidade. A modernização assinala a introdução de novos padrões de consumo instigados por uma crescente onda publicitária, além de uma imensa interação entre os periódicos e a difusão de práticas culturais. Meios de comunicação impressos, como as revistas ilustradas em seus mais variados títulos, estabelecem novos padrões de estilo e comportamento. Baseadas no uso sistemático da ilustração e da fotografia, as revistas seduziam seus consumidores através da imagem, enaltecendo as conquistas da civilização. Os principais fatos da vida política e social da nação passam a ser expressos nessas publicações, que se tornam um instrumento eficaz na propagação dos valores culturais da Belle Époque brasileira, em virtude de seu caráter de momento – condensado e de fácil consumo!

As revistas revelam, ainda, a cidade como um palco, abrindo-se para viver o projeto de ordem e progresso. Impulsionado pelo ímpeto transformador do começo do século XX, o Rio de Janeiro aprendeu a se amar e a se ver positivamente através das páginas de suas inúmeras revistas de variedades. As publicações cariocas celebram o progresso, na criação de seu próprio mito. Expressão das exigências da vida moderna, segundo Ana Luiza Martins, “as revistas ilustradas passam a ser, a partir do início do século XX, a modalidade preferencial da população leitora” (2001, p. 42).

Como resultado de um periodismo triunfante, várias revistas surgem no universo carioca: “D. Quixote”, “O Diabo”, “Tagarela”, “O Martelo”, “Avenida”, “Revista da Semana”, “O Tico-Tico”, “O Malho”, “Careta”, “Fon-Fon”, “A Cigarra”, “Kosmos”, “Renascença”, “A Ilustração Brasileira” e “O Cruzeiro”. A “Revista da Semana”, por exemplo, trabalhava com tricromia e ilustração fotográfica, inovando essa área acostumada a ilustrações litografadas, tornando-se padrão de qualidade. A “Kosmos”, lançada em 1904, é tida como um dos periódicos mais sofisticados de então. E “Fon-Fon”, surgindo três anos mais tarde, retratava a vida cotidiana do Rio de Janeiro em artigos leves e ilustrações abundantes, razões de seu sucesso entre os leitores do país. Assim, neste período, um dos segmentos nos quais os ilustradores tiveram mais espaço para atuar na indústria editorial foram as revistas ilustradas.

Como precursores do livro infantil, os periódicos tiveram uma importância decisiva para a criação de uma nova categoria de público leitor. Voltado especificamente para as crianças e criado em 11 de outubro de 1905 pela Sociedade Anônima “O Malho”, o semanário “O Tico-Tico”, por exemplo, foi responsável pela formação de gerações de leitores. Inspirado na revista francesa La Semaine de Suzette, o almanaque recebeu esse nome em homenagem ao passarinho faceiro e irrequieto. Depois de inúmeras publicações de vida breve, “O Tico-Tico” representava uma iniciativa audaciosa e inovadora para a imprensa da época, num momento em que não havia material de leitura especificamente dirigido à infância. Criados para o semanário, personagens como Kaximbown, Zé Macaco, Faustina, Chico Preguiça, Lamparina, Pandareco, Chiquinho e principalmente o trio Reco-Reco, Bolão e Azeitona eram fascinantes e marcaram homens de expressão como Rui Barbosa e Carlos Drummond de Andrade. A revista teve grandes colaboradores, como Coelho Neto (1864-1934), Carlos Manhães (sem data), Bastos Tigre (1882-1957), Américo Callia (sem data) e o acadêmico Josué Montello (1917-2006), além de ilustradores de destaque como K. Lixto (1877-1957), J. Carlos (1884-1950), Alfredo Storni (1881-1966), Oswaldo Storni (1909-1972), Ivan Wasth Rodrigues (1891-1957), Monteiro Filho (sem data), Luis Sá (1907-1979), Max Yantok (1881-1964) e Francisco Acquarone (1898-1954). “O Tico-Tico” teve tanta importância quanto a obra de Monteiro Lobato (1882-1948), que é considerado o pai da literatura infantil brasileira, levando-se em conta que ambos os autores lutaram pela valorização e pelo reconhecimento da cultura nacional. Durante cinquenta anos, essa revista determinou uma nova etapa na história da nossa literatura para crianças e jovens. Apesar de ter deixado de circular definitivamente em 1962, “O Tico-Tico” influenciou diversas gerações, abrindo caminho para outras experiências de maior vulto no campo das histórias em quadrinhos e da literatura infanto-juvenil.

Segundo o pesquisador Chico Homem de Melo, do fim do século XIX até os anos de 1920, em decorrência de um intercâmbio plástico, a confluência de saberes entre a Academia e o autodidatismo deságua na produção cotidiana de redações, editoras e agências de propaganda (2011, p. 20). Isso proporcionou o surgimento do ilustrador-designer e abriu caminho para o desenvolvimento de uma visualidade conformada aos meios de reprodução, o que implica, neste recorte de tempo, na manufatura de desenhos eminentemente gráficos. Imagens nas quais o traço (linhas de contorno, hachuras ou configurações plenamente preenchidas) prevalece em detrimento de uma gradação sutil de valores de claro-escuro, mesmo quando se fazia o uso da cor. Tal característica marcou sobremaneira as imagens publicadas em revistas ilustradas e livros da época. Dentre os artistas que exploraram tais relações, destacamos K. Lixto, Raul Pederneiras (1874-1953) e J. Carlos. Os dois primeiros, como desbravadores de um território ainda inóspito e sob a influência, não muito exagerada, de uma estética Art Nouveau (1890-1914); o terceiro, na esteira dessas experiências, assimilando e reprocessando o caráter dominante de seus contemporâneos. Todos tiveram uma intensa participação na produção editorial nacional, mas sem dúvida foi J. Carlos quem mais se sobressaiu naquele contexto. Ele extrapola a dimensão de seu próprio trabalho por estar sempre se reinventando, principalmente a partir do primeiro pós-Guerra.

As ilustrações do período descendem do desenho de humor e da pintura. Essas duas referências logo se combinam, sendo operadas por exímios e ecléticos ilustradores-designers, que constituem a primeira geração de profissionais nascidos no país. Dentre eles, há dois perfis razoavelmente distintos: de um lado, aqueles que atuam regularmente nas publicações de cunho comercial, destinadas a plateias numerosas e diversificadas, […]; de outro, aqueles […] com atuação mais episódica. No mais das vezes, são artistas […] ocupados com as questões propostas pelo modernismo […]. O elo […] comum aos dois grupos é a capacidade de pensar a ilustração não apenas como imagem autônoma, mas como estruturadora do campo gráfico e já concebida de maneira integrada ao texto (Id.,  p. 20).

O perfil traçado acima expressa a postura formal de diversos ilustradores que, no caso específico do livro, também foi estimulada e promovida pela ação visionária de editores como Lobato. A história do livro no Brasil pode ser dividida em “antes e depois de Monteiro Lobato”. Sem a sua presença, provavelmente, tudo teria sido bem diferente. Foi ele quem, nos anos de 1920, vislumbrou que um país como o Brasil precisava de um parque gráfico à altura de suas necessidades. A partir desse momento, o mercado editorial passa a diferenciar a produção literária produzida para adultos e crianças. O livro ilustrado para crianças marcava a produção editorial e apontava para a ampliação desse mercado. Segundo essa perspectiva, pode-se apresentar seu pioneirismo como sendo a mola propulsora da literatura infantil no Brasil. O livro “A Menina do Narizinho Arrebitado”, de Lobato, contendo desenhos de Lemmo Lemmi, mais conhecido por Voltolino (1884-1926), é também um marco na história do livro ilustrado no país. Em artigo do periódico “O Jornal” publicado no dia 25 de abril de 1921, o crítico literário e professor Tristão de Ataíde (1893-1983) emitiu o seguinte comentário sobre a obra:

Por ele, a criança criará gosto pela leitura; sentirá que o livro não é apenas um instrumento de disciplina, mas um campo maravilhoso para a expansão de um mundo interior, reprimido ou apenas ressentido. É um livro que estimula a vida, fecunda a imaginação, desperta a curiosidade (Apud AZEVEDO; CAMARGO; SACCHETTA, 1997, p. 158).    

Lobato era apaixonado por pintura e sempre manifestou seu desejo de ter cursado uma escola de Belas Artes. Entrou para a Faculdade de Direito por imposição do seu avô e também tutor, após a morte dos pais. Tornou-se escritor, outra vertente artística, e, embora tenha desistido das artes plásticas, isso teve reflexos em toda a sua obra. Mas ele nunca se conformou com isso: “No fundo, não sou literato; sou pintor. Nasci pintor, mas, como nunca peguei nos pincéis a sério […], arranjei esse derivativo de literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras”. Em 1909, chegou a participar de um concurso de cartazes no Rio de Janeiro, colaborando com desenhos para revistas como “Fon-Fon” e “Vida Moderna”, além de ilustrar a primeira edição do livro “Urupês”. Na década de 1910, tornou-se um dos mais importantes críticos de arte na cidade de São Paulo. Pintou até os últimos dias de vida e nos legou histórias cheias de cores e formas.

O grande diferencial de Monteiro Lobato como editor foi ter tratado o livro como o produto que ele, de fato, é. O autor sempre demonstrou grande interesse pela qualidade e estética do suporte de seus textos, valorizando o design gráfico de todas as suas publicações. Logo percebeu a importância de investir em elementos “concretos” dos livros, tais como capa, papel de qualidade e ilustrações bem produzidas. Seu trabalho como editor é de grande importância, inclusive na valorização do ilustrador e da ilustração. O investimento nesses aspectos de ordem visual foi um diferencial em suas edições. Grandes ilustradores como Voltolino, Belmonte (1896-1947), J. U. Campos (1912-1972), André Le Blanc (1921-1998), Jean Gabriel Villin (sem data) e Kurt Wiese (1887-1974) trabalharam para Lobato.

A ilustração das capas fazia parte da estratégia para atrair o leitor para as novas e mais baratas edições em brochura. Lobato queria construir uma sólida editora e confiava na sua experiência para a seleção de títulos. No entanto, quanto aos aspectos visuais, escolheu grandes ilustradores para elaborar capas desenhadas, tornando seu produto de fato mais atraente aos olhos do consumidor. E foi então que “[…] os balcões das livrarias se encheram de livros com capas berrantes, vivamente coloridas, em contraste com a monotonia das eternas capas amarelas das brochuras francesas” (Id., p. 131).

No mesmo compasso empreendido por Lobato, a cidade de São Paulo na década de 1910 assiste ao crescimento de sua jovem indústria gráfica e passa a ocupar, juntamente com o Rio de Janeiro, em um curto espaço de tempo, a posição de centro editorial do país. Interessada em resolver o problema de papel de qualidade para livros, a Editora Weiszflog começou a adquirir ações da Companhia Melhoramentos, fabricante de papéis, e em 1920, por decisão tomada em assembleia, deu-se a fusão das duas empresas. Já em 1928, sua produção era de 670 mil exemplares. Entre os 248 títulos estavam os livros da coleção Encanto e Verdade, pioneira em histórias infantis com temática nacional. No que se refere à literatura infantil, o empreendedorismo da Melhoramentos e de Monteiro Lobato (1882-1948), na publicação de obras onde a imagem exercia protagonismo, determina um passo importante para o desenvolvimento da ilustração de livro no país. O marco inicial dessa era se dá no ano de 1915, quando os irmãos Weiszflog lançam o “Patinho Feio” de Hans Christian Andersen (1805-1875), com desenhos de Franz Richter (1872-1964), também conhecido pelos nomes de Franta Richter e Francisco Richter. O trabalho desse artista gráfico representa a primeira edição a quatro cores publicada no mercado editorial brasileiro, inaugurando uma série de produções que contam com o seu traço para a Coleção Biblioteca Infantil Melhoramentos. Richter também é o responsável pela realização de boa parte do material didático editado na Cia Melhoramentos. O surto do nacionalismo pós-guerra determinou que Walter Weiszflog, em retorno de viagem a países da América do Sul que vivenciavam um momento nativista, desenvolvesse a série “Quadros Murais”, magnificamente ilustrados por Richter. Esses painéis eram utilizados no ensino primário e estiveram em todas as salas de aula do ensino público brasileiro até os anos 60. Sua atuação foi notadamente importante e inscreve-se na contribuição deixada por artistas estrangeiros, assim como no caso de Angelo Agostini, para a visualidade que abrange a constituição de nosso universo editorial. A coleção Biblioteca Infantil foi reformulada e popularizada, e seus livros passaram a ser brochuras, impressos em preto e branco, ilustrados por Oswaldo Storni, dos anos de 1930 até 1958. Storni dedicou-se eminentemente à ilustração, tendo a linha como seu meio de expressão por excelência. Era um apaixonado pela natureza e sabia retratá-la com destreza. Seu trabalho em “Aventuras de Taquara-Poca”, entre 1938 e 1945, retrata o mundo rural presente na literatura de Francisco Marins (1922-2016).

Em 1936, assim como no caso da Melhoramentos, o Ministério da Educação e Cultura investe na criação de Álbuns de Estampa através da promoção de concursos de ilustração que duraram até 1939. Estávamos numa fase nacionalista e os livros também seguiram a mesma tônica. Inserem-se nessa perspectiva editorial “O Circo”, de Santa Rosa, que ganhou prêmio e foi impresso na Bélgica, e “A Carnaubeira”, de Paulo Werneck, produzido em litografia (PAIXÃO, 1995).

Ao apresentar esse texto, nossa intenção não foi proporcionar ao leitor uma “verdade absoluta”, mas sim abrir espaço para uma percepção histórica que, ancorada em relações estéticas e de caráter editorial, permeiam o nascimento da ilustração do livro infantil no Brasil. Com isso não pretendemos descartar outros pontos de vista, sendo esta apenas uma linha de pensamento que pode se somar a outras na construção de uma identidade relativa à origem desse tipo de expressão artística voltada a um determinado aspecto da produção cultural do país.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Carmen Lucia de; CAMARGO, Maria Mascarenhas de Rezende; SACCHETTA, Vladimir. Monteiro Lobato – Furacão na Botocundia. São Paulo: Editora Senac, 1997.

CAMARGO, Luís. Ilustração do Livro Infantil. Belo Horizonte: Editora Lê, 1995.

CAMARGO, Mário (Org.). Gráfica: Arte e Indústria no Brasil – 180 Anos. São Paulo: Bandeirantes Gráfica, 2003.

CARDOSO, Rafael (Org.). Impresso no Brasil, 1808-1930: Destaques da História Gráfica no  Acervo da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Verso Brasil, 2009.

COTRIM, Álvaro. J. Carlos: Época, Vida e Obra. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1996.

DOYLE, Susan; GROVE, Jaleen; SHERMAN, Whitney. History of Illustration. New York:  Fairchild Books, Bloomsby Publishing Inc, 2018.

EDITORA ABRIL. A Revista no Brasil. São Paulo: Editora Abril, 2000.

LEÃO, Andréa Borges – Brasil em Imaginacão: livros impressos e leituras infantis. INTERCOM. XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação,

Belo Horizonte/MG, setembro de 2003.

LIMA, Yone Soares de. A Ilustração na Produção Literária: São Paulo – Década de 20. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, 1985.

MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revista: Imprensa e Práticas Culturais em Tempos de República, São Paulo (1890 -1922). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo / FAPESP: Imprensa Oficial do Estado, 2001.

MELO, Chico Homem de; COIMBRA, Elaine Ramos. Linha do Tempo do Design Gráfico no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

PAIXÃO, Fernando. Momentos do livro no Brasil. São Paulo: Editora Ática , 1995.

PAULA, Ademar Antonio de; CARRAMILLO NETO, Mário. Artes Gráficas no Brasil: Registros, 1746-1941. São Paulo: Laserprint, 1989.

PEPPIN, Brigid. Fantasy: The Golden Age of Fantastic Illustration. New York: Watson- Guptill, 1975. YOLANDA, Regina. O Livro Infantil e Juvenil Brasileiro: Bibliografia de Ilustradores. São Paulo: Melhoramentos; Brasília. INL, 1977.